Savanna Aires Soares
Enquanto a grande façanha dos últimos tempos é se apropriar do ‘verde’ para intitular ações supostamente sustentáveis e ecologicamente corretas, a cor que vem fazendo importante diferença em Cabedelo e na grande João Pessoa é outra.
De fácil reconhecimento, o laranja vibrante que colore o uniforme da equipe do Projeto Tartarugas Urbanas pode ser visto todos os dias, logo cedinho, entre as praias do Bessa (João Pessoa) e Intermares (município de Cabedelo). O propósito da caminhada é reconhecer na areia o que para muitos passa despercebido: o rastro de uma tartaruga marinha. Isso, porque além de ser uma opção de lazer e descanso, o litoral paraibano é também o ambiente onde esse animal desova.
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Rastro de uma tartaruga marinha adulta |
O rastro, deixado pela fêmea da tartaruga marinha, é sinal de que durante a noite, ela subiu até a praia e procurou o local mais seguro para realizar a postura de seus ovos, que dependendo das condições pode até adentrar a vegetação. Reconhecido o rastro, a equipe se encarrega de localizar onde os ovos foram colocados, tarefa esta orientada pela desordem na areia feita pela tartaruga ao término da desova. Cumprida mais esta etapa, chega o momento de proteger o ninho. Usando estacas de madeira, tela, barbante e uma placa de identificação, mais de 100 vidas são protegidas. Um outro tipo de procedimento ainda pode ser feito a fim de garantir a segurança dos futuros filhotes: a transposição do ninho, quando este encontra-se em um local de risco, susceptível a ação da maré ou deslizamento de areia. Trata-se de uma tarefa bastante delicada que exige, ao mesmo tempo, cautela e agilidade, uma vez que os mais de 100 ovos devem sofrer o mínimo de exposição à luz solar.
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Ninho protegido. Na placa de identificação, registra-se o número do ninho da temporada e a data na qual os ovos foram encontrados. |
A proteção não só garante um desenvolvimento embrionário seguro, como também é fundamental para o controle do número de ninhos e do possível dia em que os filhotes estarão aptos a seguirem para o mar.
O tempo de incubação varia entre 50 a 60 dias após a desova. No momento em que os filhotes já se desenvolveram e estão em frenética atividade para abandonarem a escuridão do ninho, outra intervenção ocorre: a ‘cesariana de areia’. Esta técnica consiste em antecipar algumas horas a saída das pequeninas tartarugas à superfície e foi adotada pela equipe com o objetivo de contornar uma das problemáticas que ameaçam a vida desses animais: a urbanização de regiões costeiras, fator este que explica a denominação ‘Projeto Tartarugas Urbanas’ (PTU).
Ambientes urbanizados apresentam elevada incidência de iluminação artificial, advinda de postes, casas, edifícios, estabelecimentos comerciais, e é este tipo de fonte de luz que pode afetar as tartarugas marinhas em dois momentos. O primeiro está relacionado à desova, uma vez que as fêmeas sobem à praia durante a noite, para evitar predadores e desidratação. Desse modo, um ambiente severamente iluminado pode afugentar esses animais, que se não encontrarem segurança na areia da praia, poderão desovar no mar, onde o desenvolvimento embrionário torna-se inviável.
Outra etapa do ciclo de vida das tartarugas marinhas afetada pela chamada fotopoluição é a caminhada dos filhotes em direção ao mar. A saída destes à superfície também ocorre no período da noite, estimulada pelo resfriamento da areia. Após emergirem do ninho, os mais de 100 filhotes são guiados pelo brilho do horizonte, naturalmente criado pelo reflexo da lua e das estrelas no mar. No entanto, quando o litoral sofre elevada incidência de iluminação artificial, como acontece nas praias paraibanas, os filhotes ficam desorientados e caminham na direção oposta, atraídos pela luz urbana. Ao realizarem tal percurso, esses pequenos e frágeis animais são expostos a sérios riscos, como ação de predadores, morte por atropelamento e até desidratação.
A ‘cesariana de areia’ é realizada pontualmente às 15:30, horário em que a luz artificial ainda não incide sobre a praia. Neste procedimento, voluntários do projeto são responsáveis por cavar o ninho e retirar os filhotes, que já se encontram muito próximos à superfície. Ao passo que isso ocorre, o público presente também assiste a uma breve palestra ministrada pela bióloga e coordenadora do projeto, Rita Mascarenhas, na qual são transmitidas informações acerca do ciclo de vida das tartarugas marinhas, sua importância para a manutenção do equilíbrio ecológico e de atitudes que contribuem para a preservação desses animais e da natureza como um todo. Concluído o procedimento de retirada dos filhotes, chega a etapa mais esperada por todos: a soltura dos pequenos animais para o mar. Estar presente neste momento significa testemunhar o desfile de centenas de vidas rumo à sobrevivência.
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No recinto de reabilitação, cuidando de uma tartaruga
verde (Chelonia mydas) que encalhou na praia. |
Além do trabalho de proteção dos ninhos, a equipe do PTU também atua na reabilitação das tartarugas marinhas que encalham ainda com vida na praia. Quando encontrado, seja pelos próprios voluntários do projeto ou pela população que freqüenta as praias, o animal é encaminhado a um recinto, onde recebe os devidos cuidados.
O Projeto Tartarugas Urbanas faz parte dos trabalhos promovidos pela Associação Guajiru – Ciência, Educação e Meio Ambiente, que desde 2002 vem se envolvendo não só com a preservação das tartarugas marinhas, mas também com ações de incentivo à leitura e ao esporte.
Meu primeiro contato com o projeto se deu em abril de 2010, quando visitei a sede da Associação, localizada no Bar do Surfista (Praia de Intermares) e tive uma breve conversa com Seu Valdi, dono do bar, e Rita Mascarenhas, já mencionada anteriormente. A partir daí, motivada pelo desejo de participar efetivamente das atividades da equipe, no final de 2011 fiz a inscrição para o estágio voluntário e fui selecionada.
Durante 30 dias tive a oportunidade de vivenciar cada momento abordado nesse texto e assim, pude reiterar a importância da atuação do Projeto Tartarugas Urbanas no litoral paraibano. O mais interessante é que não precisei ouvir termos como ‘verde’ e a tão proferida ‘sustentabilidade’ para me certificar disso, simplesmente porque os trabalhos diários, o contato com a realidade do projeto e, sobretudo, com o ambiente onde ele atua, já se encarregam naturalmente de afirmar a consciência ecológica de todos os envolvidos.
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Filhotes de tartaruga após a 'cesariana de areia', na praia de Intermares |
“As coisas mais profundamente arraigadas em nós são formadas pela combinação da experiência de fazer com a prática da reflexão e da articulação.”
(David W. Orr, no livro ‘Alfabetização Ecológica: A educação das crianças para um mundo sustentável’)