terça-feira, 24 de abril de 2012

“Um livro é a prova de que os homens são capazes de fazer magia."

Savanna Aires Soares

         Segundo o velho Google, essa frase pertence à Carl Sagan, cientista que dedicou seus estudos à Astronomia, sendo entusiasta da chamada Exobiologia, ciência que se volta para a investigação da vida fora da Terra. Não sou, nem de longe, uma profunda conhecedora das suas obras, o que me instigou a buscar informações sobre ele foi um amigo, quando me revelava a sua admiração por Sagan. Dias depois, ainda pesquisando um pouco mais, me deparei com a frase acima.
 
E é exatamente isso: um livro é capaz de fazer magia na vida das pessoas. Feitiço que pode nos lançar para a realidade de forma oculta e inimaginável.
Nesse momento, consigo ter a verdadeira consciência de dois que fizeram/fazem profunda diferença na minha, mas quero dedicar esta postagem a um deles, apenas.
O livro a que me refiro foi um presente do meu pai e veio acompanhado de outros da mesma temática, porém, com abordagens distintas. Chama-se “Alfabetização Ecológica: A educação das crianças para um mundo sustentável” (“Ecological Literacy”), escrito por Fritjof Capra e colaboradores. (Dispenso aqui os títulos e obras dos autores, acreditando ser de extrema irrelevância, pois além de tais informações estarem facilmente disponíveis na internet, não são elas que atribuem significado a este livro).
        Já pelo título fiquei empolgada, pois como havia me tornado integrante de uma ONG há poucos meses e o foco da instituição é promover a Educação Ambiental de crianças e adolescentes, enxerguei nesse livro a oportunidade de conhecer melhor a temática e assim, contribuir de maneira mais responsável com os projetos da equipe. (Um outro detalhe é que as folhas são recicladas, e como já vinha adotando o uso das mesmas no meu cotidiano, senti como se o livro fosse familiar. Hehehe).
Nas páginas do livro, reúnem-se as preciosas experiências de até então 10 anos de uma fundação localizada na Califórnia: o Centro de Eco Alfabetização, que desde 1995 realiza e apoia projetos de educação para a sustentabilidade. Os responsáveis pelos relatos são teóricos, ativistas e educadores, que por meio de suas vivências, nos orientam sobre como alcançar a tão desejada vida sustentável e, sobretudo, em que esse hábito consiste.
Até então, muito já tinha lido, escutado e até conversado a respeito da ‘sustentabilidade’ e apesar de ter conhecimento do seu propósito, sentia falta de práticas e relatos que fizessem jus ao seu verdadeiro significado. (Ações que ultrapassassem os 3R’s, entende?).  É cômodo e ao mesmo passo arriscado disseminar essas práticas que “estão em alta”, sem compreender a importância de se estabelecer outras relações, muito mais profundas e duradouras, com o espaço onde se vive.
        Logo no Prefácio, ‘Como a natureza sustenta a Teia da Vida’, Capra comenta do uso frequente do termo “SUSTENTÁVEL” e atenta: “essa definição não diz nada com respeito a como construir uma comunidade sustentável. Precisamos de uma definição operacional do que seja a sustentabilidade ecológica”. E é utilizando dos princípios básicos da Ecologia, que ele nos mostra as relações pelas quais a natureza se sustenta e o quanto podemos aprender com ela. “A educação para uma vida sustentável estimula tanto o entendimento intelectual da ecologia como cria vínculos emocionais com a natureza”.
Para minha surpresa e alegria, as primeiras páginas do livro já me aproximaram consideravelmente da famosa desconhecida Sustentabilidade, fazendo-me enxergar a sua inerência na vida do planeta. (Engraçado, de uns tempos pra cá, ela ser tão almejada, quando na verdade sempre existiu, mesmo que silenciosamente. Então, me pego fazendo algumas perguntas: Em qual tempo a ignoramos? Seria essa ignorância resultado da falta de percepção de muitos à sua existência? Interrogações pairam no ar...)
 Essa aproximação foi de grande estímulo para persistir na leitura daquelas páginas que já faziam discreto feitiço na minha forma de enxergar a vida.
Outro momento que acho bastante pertinente é quando Capra, em seu ensaio ‘Falando a linguagem da natureza: Princípios da sustentabilidade’, atenta: "não existe nenhum currículo de sustentabilidade do tipo “tamanho único que sirva para todos”’. Ele expressa esse pensamento ao abordar um dos princípios da Ecologia: a diversidade.  Trazendo este conceito para a realidade humana, são inúmeras as possibilidades de relações com as quais nos deparamos e também estabelecemos durante nossa vida, cada qual com suas particularidades. E essa diversidade jamais deve ser ignorada, sobretudo quando se pretende elaborar um projeto, seja ele em qual área for.
 Para se definir o plano de ação de qualquer trabalho é indispensável conhecer a realidade do ambiente onde será executado, para que seja possível atender ao máximo às reais necessidades do grupo alvo. E talvez, ainda mais importante que isso, é ter em mente que o plano traçado está susceptível a vários ajustes ao longo de seu desenvolvimento. E não tem outro caminho a seguir quando se deseja colher frutos duradouros.
Ao passo que escrevo essas linhas, recordo-me de tantos outros momentos significativos do livro, que não se restringem somente à pratica educacional em si, embora também auxiliem nesse campo. Mas a verdade é que não posso concluir esse texto sem antes dividir a magia de um capítulo especialíssimo, que talvez tenha sido o de maior importância para reanimar a minha consciência cidadã.
O ensaio é escrito por David W. Orr, um dos diretores do Centro desde a sua fundação,  e recebe o título de 'Lugar e pedagogia’. A vontade inicial é de transcrevê-lo, linha por linha, pois cada uma delas abriga ensinamentos e reflexões que talvez não estejam presentes em nenhum outro livro. Mas, vai que algum(a) curioso(a) seja enfeitiçado(a) e deseje um dia compartilhar dessa mesma leitura, né? Melhor deixá-lo reservado!
Os primeiros parágrafos do texto são dedicados à íntima relação entre o Homem Thoreau e o Lago Walden, tema de uma obra publicada primeiramente no ano de 1854 com o título Walden ou A vida nos bosques. Alimentado pela busca da essência da vida, Thoreau instala-se à beira de um lago, que não seria somente mais um elemento da paisagem, mas o lugar onde Thoreau fincou suas raízes para vivenciar as mais orgânicas e inesperadas experiências. Como David relata: “Thoreau viveu o tema de seu livro. ‘Walden’ é mais do que um diário sobre o que ele pensava; é um registro do que ele fazia e das experiências que tinha”. E ainda: "Em última instância, o objeto de estudo de Thoreau era o próprio Thoreau; tendo como propósito a sua integridade; como meio, o Lago Walden; e como metodologia, a simplificação.” (Fantástica essa definição!).
A partir desta referência e de outras que são abordadas no ensaio, Orr atenta para o lugar como importante instrumento educacional, uma vez que possibilita a integração das mais diversas áreas do conhecimento e estimula a prática e articulação desses saberes. No ensaio seguinte, inclusive, Orr expõe: “As coisas mais profundamente arraigadas em nós são formadas pela combinação da experiência de fazer com a prática da reflexão e da articulação”, citação esta até já utilizada por mim nesse blog, quando registro a minha experiência como voluntária no Projeto Tartarugas Urbanas (PTU).
Mais importante até que possibilitar a conexão dos mais variados saberes, o estudo do lugar de onde vivemos é essencial para nos transpor do posto de um tímido observador daquele espaço para o de um indivíduo enraizado, integrado com as condições oferecidas e preocupado em preservá-lo. “A nossa vida é vivida em meio a expressões arquitetônicas de deslocamento: os centros comerciais, prédios de apartamentos, luzes de neón, autopistas, torres de vidro e desenvolvimento homogeinizado – nenhum dos quais ajuda a fortalecer o sentimento de enraizamento, de responsabilidade e pertencimento.” (grifos meus).
Como já externei em linhas acima, o ensaio de David é repleto de passagens reflexivas, que nos levam a reavaliar a nossa posição diante do lugar onde vivemos. Antes da leitura desse ensaio, eu já era sim uma pessoa preocupada em manter o bem estar do ambiente em que moro, não limitado apenas à minha casa, rua ou bairro, mas de todos pelos quais passava. E não era à toa que atitudes de alguns indivíduos já me causavam indignação, por expressarem enorme desrespeito ao lugar onde se encontravam. Mas, sabe quando se é vítima da tal ‘injeção de realidade’? Foi isso. Orr me fez enxergar profundamente a importância de se entregar ao lugar que se habita (diferente de ‘residir’, como ele mesmo coloca em outro momento: “O residente é um ocupante temporário, que finca poucas raízes e investe pouco, conhece pouco e talvez só se importe com o lugar na medida da sua capacidade de lhe oferecer gratificação imediata.”).
 Acredito que o entendimento e a valorização do Lugar são cruciais para despertar nas pessoas o verdadeiro sentido de preservação, e é este sentimento que impulsiona o respeito e a busca da integridade de muitos outros ambientes, até mesmo daqueles pelos quais você nunca tenha passado. Hoje, sinto meus poros muito mais abertos à aprendizagem do lugar, do que ele pode me revelar e, sobretudo, do que eu posso fazer em prol de seu resguardo.
(Já escrevi muito!!!!). Mas acreditem, há muito mais o que registrar e discutir, não apenas sobre este maravilhoso ensaio de David, mas dos muitos relatos presentes em todo este livro, que tanto ampliou meus horizontes, ajudando-me a enxergar as mínimas e não menos importantes aprendizagens que a vida pode nos proporcionar. Despeço-me desejando a você, leitor, a oportunidade de ser enfeitiçado por livros mágicos e que estes sejam fonte de inspiração para a sua caminhada.

 “A mera esperteza é muito superestimada e não é, como em geral se acredita, um sinônimo perfeito de inteligência. Mas a generosidade é uma espécie de inteligência a longo prazo.”  (David W. Orr)






segunda-feira, 9 de abril de 2012

Você sabe ler?

Savanna Aires Soares

É natural que a pergunta cause certo estranhamento, eu mesma ficaria intrigada (e ao mesmo tempo curiosa) se me deparasse com tal indagação, afinal, o ato de ler, em primeira instância, consiste em distinguir e reunir letras para a compreensão de palavras e, consequentemente de textos como esse. Tarefa corriqueira para mim e provavelmente também para você.

No entanto, não é no sentido puramente mecânico que venho escrever sobre leitura, mas sim, tratá-la como um processo mais perceptivo, capaz de envolver todos os nossos sentidos.

A inspiração para escrever essas breves linhas partiu de uma aula de Geologia, quando o professor atentava para a importância de uma ‘simples’ rocha no conhecimento de um determinado ambiente (possível tempo de surgimento, condições em que este meio se encontrava, como se transformou, etc) e o mesmo pronunciou a seguinte frase:

"As rochas falam[...]É preciso aprender a ler a natureza".
            
Foto: Kalina Aires Soares
Fiquei encantada com o tom poético que aquelas palavras carregavam e como elas podiam nos despertar para a realidade de forma tão sutil...(essa é uma das belezas da poesia!).
            
Imediatamente, fui transportada para a reflexão de como seria essa prática de leitura e decidi traduzir meus embaralhados pensamentos em palavras.
            
Ler a natureza transcende o sentido de ‘olhar’, já que muitas vezes olhamos para algo/alguém, mas não o enxergamos. O diferencial de ‘enxergar’ reside na disposição de conhecer, descobrir o desconhecido, condição esta fundamental para que estejamos verdadeiramente entregues a uma leitura.
            
Ler a natureza significa senti-la em suas particularidades, seja com os olhos, o toque, cheiro, sabor, som, ou com tudo isso junto. O que não falta é espaço para a sinestesia.

Ler a natureza consiste em desvendar suas entrelinhas e compreender seus limites.

Se colocamos essa leitura em prática, nossa relação com a natureza tende a se tornar cada vez mais real e respeitosa.
            
Não afirmo que é fácil. Trata-se de um exercício que dispensa superficialidades. Algumas pessoas parecem já ter nascido alfabetizadas, outras demonstram ignorar esse tipo de leitura, e existem aquelas que se dispõem a tornar tal prática cada vez mais presente em suas atividades diárias.

Eu confesso, estou aprendendo a ler.